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Estatuto da Terra

Em 10/03/11 05:37.
Combatida por uns e elogiada por outros, a lei desperta interesse no mundo
09/11/06
Associação Brasileira de Direito Agrário

     
Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30/11/1964) é a mais importante lei agrária brasileira e uma das mais completas do ordenamento jurídico do País. Combatido por uns, elogiado por outros, a verdade é que o Estatuto da Terra é uma lei que, ao longo de seus 40 anos de vigência, tem despertado o interesse de estudiosos de todo o mundo. Países europeus, como Espanha, Itália e França, estão entre os que mais o pesquisam. Na América Latina, a maioria deles tem grande interesse pelo estudo de nossa legislação agrária.

Por esse panorama, dá bem para ver que o ET é uma lei que merece ser refletida. Detalhe importante nessa lei é a sua origem. Tido como de cunho ideológico pelos conservadores, o ET surgiu em pleno limiar do regime militar. E mais: foi aprovado pelo Congresso Nacional com os militares no poder. Esse fato tem explicação. No final da década de 1950 e início da de 1960, pipocavam em quase toda a América Latina as tensões sociais no campo. Estávamos no auge da guerra fria, com o mundo polarizado entre as duas potências de então, Estados Unidos e União Soviética.

Dessas contingências resultou o projeto do ET com a ingerência dos Estados Unidos, segundo estudiosos da história recente do País. Prova disso é que o seu coordenador foi o todo-poderoso ministro Roberto Campos, que comandava a economia nos primeiros anos do regime militar.

Ideologias à parte, a verdade é que o Estatuto foi elaborado por uma equipe de alto nível. Seus integrantes foram selecionados a dedo nas melhores universidades e institutos de pesquisa das áreas jus-agraristas e afins. Dela faziam parte nomes como os dos agrônomos Carlos Lorena e José Gomes da Silva, os juristas Messias Junqueira, Igor Tenório e Fernando Pereira Sodero, além de técnicos renomados de outras áreas. Essa equipe foi confinada num hotel de Brasília, e seu trabalho era acompanhado pessoalmente pelo presidente Castelo Branco. Disso resultou uma lei muito avançada para o seu tempo.

Conteúdo – Toda a filosofia do ET está fundada nos princípios da função social da propriedade. Uma tendência já então inserida nas Constituições do mundo civilizado, que teve início com a Constituição alemã de Weimar (1919). Esse princípio foi consignado no art. 2º do ET, que assegura a todos a oportunidade de acesso à terra, condicionada pela sua função social.

O conceito de função social está definido nesse próprio dispositivo. Em quatro itens ele diz que a propriedade cumpre a função social quando, simultaneamente, favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, mantém níveis satisfatórios de produtividade, assegura a conservação dos recursos naturais, e observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam. Passados 24 anos, esse dispositivo foi transposto integralmente para o artigo 186 da atual Constituição brasileira.

Para se ter uma idéia da dimensão do ET, basta dizer que toda a legislação agrária em vigor teve origem no seu bojo. Qualquer cidadão comum que atua na atividade rural lida no seu dia-a-dia com essas leis.
No mais, o Estatuto da Terra disciplina os direitos e obrigações relativos aos bens imóveis rurais, com a finalidade de execução da reforma agrária e da política agrícola. Vê-se, então, que ele cuida de duas áreas distintas do mesmo segmento.

Passa pelo seu crivo todo o universo temático da economia rural, antes e depois da porteira. Esse universo está dividido em quatro setores desdobrados em 11 capítulos. Os dois mais importantes, de efeitos práticos, são os Títulos II e III, que tratam, respectivamente, da reforma agrária (artigos 16 a 46) e da política de desenvolvimento rural (artigos 47 a 102).

Todo o nó do ET está contido nesses dois títulos, dos quais se destacaram o primo pobre e o primo rico. O que andou e o que se arrastou. No que dependeu das ações do poder público, poucos itens tiveram desempenho relevante. Três casos merecem destaque: Incra, Cadastro e Embrapa. Bem ou mal, o Incra tem uma estrutura administrativa implantada em todo o País, o mesmo ocorrendo com o seu cadastro. E a Embrapa, embora vinculada a setores diversos, tem suas raízes no ET. Os demais estão devagar quase parando. O principal deles (reforma agrária) seguiu uma política equivocada, com a mera distribuição de terras, contemplando trabalhadores desqualificados, sem vocação agrícola e sem nenhuma estrutura de produção em escala. Limitou-se à precária economia de subsistência, aumentando a miséria no campo. Diante de uma nova realidade no mundo de hoje, a reforma agrária caminha na contramão da história, jogando dinheiro no ralo.

Por outro lado, no que dependeu da iniciativa privada (artigos 73 a 91), o ET cumpriu o seu papel. O resultado são os números atuais do agronegócio brasileiro: safra 2004-05 estimada em 140 milhões de toneladas, 37% dos empregos gerados no País, 43% da balança comercial, representando um terço do PIB nacional.

Ao completar os seus 40 anos, o ET ainda é bem atual e considerado lei de Primeiro Mundo. Entretanto, a realidade dos novos tempos já demanda algumas alterações. No Congresso tramita a proposta de um Novo Estatuto da Terra, apresentada pelo ex-deputado Xico Graziano, que foi rebatida com veemência por diversos segmentos envolvidos na questão. Embora ela contenha diversos pontos positivos e aproveitáveis, dificilmente será aprovada, por se tratar de um projeto isolado, sem a participação dos setores interessados. Essa é a justificativa dos que o criticam.



Augusto Ribeiro Garcia
Revista DBO / Novembro

Fonte: http://www.portaldoagronegocio.com.br